sexta-feira, 26 de setembro de 2008

A MORE DO AVARENTO



A MORTE DO AVARENTO

A enfermaria do hospital púbico estava lotada, o Comendador Natércio giritava e reclamava com um câncer bastante avançado achava-se com direito a uma atenção especial dos funcionários, mas o pronto socorro tinha por norma o atendimento em ordem de entrada. Deram-lhe uma injeção para adormecer.
O Comendador era um avarento convicto, a miserabilidade era sua marca registrada. O convênio médico que pagava era dos piores e assim mesmo o plano mais barato, não tinha direito a uma assistência adequada às suas necessidades.
Baixnho, barrigudo, careca. Cerca de sessenta anos, os olhos grandes salientes, o nariz aquilino redondo, os lábios finos e unidos, a perfeita figura do tipo avarento, orgulhoso e despótico. Era agiota, os juros que praticava eram os mais altos da localidade, o infeliz que lhe caísse às mãos se não conseguisse . pagar em dia seu empréstimo estaria perdido, um dia que fosse de atraso e lá o coitado veria sua dívida multiplicada sem dó nem piedade..
Tipo solitário seu maior prazer era olhar sua coleção de cédulas que guardava em local secreto, não punha no bancos, que a seu ver roubavam seu rico dinheirinho com a cobrança de tudo quanto eram despesas. Todas as noites, antes de dormir abria a caixa de madeira em que guardava o dinheiro e contava e recontava inúmeras vezes. Ao encerrar seu expediente diário no escritório que mais parecia um chiqueiro de tão sujo e desordenado recontava a receita do dia; as notas mais altas chegava a passar no rosto com um sentimento de bem-aventurança. Amava seu dinheiro.
Na enfermaria os médicos e enfermeiros passavam ao largo sem lhe dar a mínima atenção, era um paciente indesejado, lá para meia noite foi levado para a UTI; Os médicos abriram e simplesmente tornaram a fechar seu corpo. Os órgãos internos estavam todos comprometidos.
Quem tivesse a possibilidade de “ver” veria rondando seu leito a figura de um ser do astral inferior. Aguardava a hora de levar aquela alma às profundezas do inferno.
Sua alma foi recepcionada festivamente por uma legião de entidades diabólicas, mas não conseguiram segurá-la. Essa alma apegada, durante muito tempo foi vista cumprindo sua rotina noturna de contagem de dinheiro. Quem chegasse à sua casa de pronto era assaltado por um grupo de diabinhos que tratavam de afastar qualquer interessado em salvar o comendador. Aquela alma estaria perdida por muito tempo se...

Cap. 2º

D. Albertina, viúva idosa entrara a serviço do comendador ainda jovem e casada. Após a morte do marido passou a se interessar pela herança do patrão, tentando, inutilmente conquistar seu amor. Seja por vício ou por manter viva sua esperança, de conquistar o perdulário patrão, continuou até o fim a agüentar suas rabujices. O fato é que após a morte dele continuou a viver na casa, agora na esperança de descobrir o esconderijo do dinheiro que sabia estar guardado em algum lugar secreto, mas por mais que procurasse, que vasculhasse não encontrava. Cada vez que chegava perto do tesouro entidades do baixo astral tratavam de afastá-la de alguma forma e assim a alma do finado ia passando o tempo apegado ao seu tesouro.
Cansada de procurar inutilmente o tesouro, a viúva foi visitar um casal amigo que se dedicava às práticas espirituais. O casal, bem intencionado, concordou em fazer uma sessão especial na condição de que o dinheiro encontrado seria doado inteiramente a uma casa de caridade.
Uma vela, um bastão de incenso e um copo com água sobre uma mesa pequena forrada com uma toalha branca. Uma oração, e quase que de imediato a consulente vai ao chão se debatendo e gritando...
_ Não, não vocês não vão me tirar essa alma. Essa alma é minha, ninguém vai tirá-la de mim. A entidade diabólica retorcia-se pelo chão e continuava a reclamar.
O casal intensificou suas orações invocando seus guias espirituais que se encarregaram de retira-la. A viúva, sem saber o que havia acontecido levantou-se assustada.
_ Minha irmã, falou a vidente, a alma do comendador estava presa por uma entidade do baixo astral que com suas legiões impediam a aproximação de qualquer pessoa ao local em que se encontra escondido o tesouro. Enquanto o finado não se desapegar daquele dinheiro sua alma vai continuar presa e impedida de se elevar aos planos mais elevados do mundo espiritual.
_ O que fazer para que o comendador compreenda que afinal aquele dinheiro já não lhe serve mais para nada?
Dando continuidade à sessão invocou-se a alma do comendador. A muito custo foi trazida pelos guias espirituais, incorporando-se em D. Júlia, debatia-se e reclamava que não queria ficar ali, que queriam roubar seu rico dinheirinho.
Sr Marcus, o dono da casa, bastante experiente nessas questões, passou a falar com a alma do comendador:
_ Meu irmão você não pode mais usar esse dinheiro. Não vê que está preso nesse lugar? Você só poderá sair daí depois que soltar esse dinheiro.
_ Não vou soltar coisa nenhuma, esse dinheiro é meu.
_ O que é que você vai fazer com ele?
_ Isso é problema meu.
_ Você não percebe que esse dinheiro não lhe serve mais para nada?
_ Não vou dar meu dinheiro para ninguém, pa a a ra ninguém; viu, ninguém!
Na impossibilidade de convencer a alma do finado solicitou-se ao mentor espiritual que a levasse para ser orientada num plano mais elevado.
O mentor indicou o local exato em que se encontrava o dinheiro, mas orientou à viúva sobre os perigos a que estava sujeita para retirá-lo de lá, lembrou-lhe também de seu compromisso de entregar o tesouro a uma casa de caridade, assim poderia ser ajudada naquela empreitada.

Cap. 3º

Albertina muniu-se de toda sua coragem e foi ao porão da casa em busca do tesouro; desceu escadaria, mas o local não tinha iluminação, era húmido e mau cheiroso. Foi buscar uma lanterna. Aos primeiros degraus a lanterna apagou, um calafrio lhe deixou toda arrepiada. Voltou à sala; a lanterna acendeu; apagou-a e foi tomar um pouco de água, voltando em seguida para a entrada do porão. Acendeu a lanterna, estava boa, mas aos primeiros degraus voltou a apagar e ela a sentir mais calafrios; retornou à sala. Compreendeu que entidades diabólicas estavam guardando o dinheiro..
_ Eu quero aquele dinheiro para mim, não vou desistir, nem dá-lo para ninguém, trabalhei feito escrava para aquele velho
sovina, preciso me compensar de tanto sacrifício.
Pegou um velho rosário, seu livro de missa, acendeu a lanterna e passou a descer a escada rezando um Padre Nosso, a lanterna continuou a acesa, mas ao se aproximar do dinheiro, a lanterna foi jogada ao chão e ela empurrada também caiu; apavorada levantou-se e subiu correndo a escada; uma gargalhada infernal acompanhou sua retirada.
Agitada, tremendo e com falta de ar ajoelhou-se e passou, amedrontada, a rezar o terço e a invocar todos os santos. Mais calma levantou-se, sentou-se na antiga poltrona do finado, levantou-se assustada, alguma coisa lhe espetou o traseiro.
Nessas alturas consciente de que não conseguiria ficar com o tesouro, nem com aquela casa assombrada do jetio que estava voltou à casa do sr. Marcus, pedindo ajuda.
Sr. Marcus e D. Júlia no dia seguinte foram à casa do finado. Antes de descer a escada do porão invocaram seus guias espirituais e desceram sozinhos. Albertina estava por demais apavorada para tentar mais aquela aventura. O casal desceu sem problemas; num dos cantos do porão uma caixa de madeira guardava o tesouro do comendador, era grande e muito pesada; abriram-na, lá estava uma enorme quantidade cédulas devidamente empilhadas em lotes de cincoenta e cem.. Levaram aos poucos para a sala sem qualquer interrupção de seus guardiões.
Aquela fortuna foi integralmente entregue a uma casa de caridade. Albertina passou a freqüentar assiduamente a casa do Sr. Marcus e lá um dia em plena sessão manifesou-se a alma do comendador. Tinha vindo agradecer a caridade que lhe fizeram. Agora estava feliz e livre de cobiça e apegos.

F I M






Um comentário:

Olga disse...

Gostei muito, Eduardo, do clima de suspense, de como os três capítulos prendem e fazem a gente deslizar sem perceber de uma linha para a outra. Só em uma coisa eu concordo com o comendador: os bancos vão mesmo "comendo" nosso dinheirinho lá depositado depois de tanto trabalho, mas não acho que o colchão, ou uma caixa no porão sejam mais seguros! A senhora Albertina lembrou-me do enfermeiro de Machado de Assis, pois ela só pensava no dinheiro e em como tinha sido "valente" por ter agüentado o velho sovina e todas as suas amolações. Acabam sendo personagens engraçados, apesar de algumas atitudes equivocadas que possam ter tomado (isso só os torna mais críveis, não é mesmo?) Gostei muito do tom fantástico e arrepiante do conto. Parabéns pela deliciosa história!