sexta-feira, 6 de junho de 2008

A Vidente- Capítulo 1

A VIDENTE
EDUARDO PAES FERREIRA NETTO

CAPÍTULO PRIMEIRO

Estamos numa sala reservada à consultas esotéricas. Mme Rosa, aliás, D. Maria Belarmina da Silva aguardava uma consulente. Viúva do Dr, Marcelo, dedicava-se honestamente à profissão de consultora espiritual servindo-se de diversas faculdades sobrenaturais a fim de complementar a pensão deixada pelo finado.
Senhora de gosto refinado, em seus sessenta e cinco ano de vida jamais tivera necessidade de trabalhar fora de casa. Matrona bonita de estatura média, cabelos já brancos, olhos negros; os dois sulcos verticais entre as sobrancelhas indicavam pessoa dedicada à reflexão e meditação profundas. Seus lábios iguais, unidos sem se comprimirem diziam de seu caráter honesto e fiel
Sua sala, antes dedicada a receber suas amigas era agora consultório espiritual. Mandalas e quadros com figuras de mestres das mais variadas linhas do mundo oculto ornavam suas paredes. No centro uma mesa retangular sobre ela uma bola de cristal, ao lado diversos tarôs.
A campanhia informa a chegada da consulente. Recebe-a com um cumprimento à moda indiana e convida-a a entrar.
Acomoda-a diante da mesa e senta-se à sua frente. Dá-lhe uma ficha para preencher com seus dados e do companheiro.
Enquanto a consulente preenche a ficha passa a analisá-la.
Não é uma mulher bonita, tem a pele clara, cabelos louros, olhos azuis; o lábio inferior grosso indicava uma mulher sensual, gulosa e amante dos prazeres; seu nariz pontudo e arqueado pessoa faladora, de má língua e inconstante; os lábios grossos e carnosos dizia-lhe sensual, gulosa e mentirosa.
Concluído o preenchimento entrega-a a Mme. Rosa que não lhe dá atenção, já sabe com quem lida.
_ D. Tereza em que posso ajuda-la?
_ Sabe o que é madame, é que meu companheiro está ameaçando se separar de mim. Veja, já estamos juntos a seis anos, tenho dado a ele todo meu amor, meu carinho e um filho maravilhoso. Arrumou uma sirigaita e quer me abandonar.
_ Como tem sido a vida de vocês nesses anos?
_ Não posso dizer que tenham sido maravilhosos, mas foram toleráveis. Tenho procurado ser uma boa companheira, mas não quer se casar comigo e agora essa mulher!
_ Por favor, D. Tereza, feche os olhos, ponha as mãos sobre as coxas e procure mentalizar seu companheiro!
A vidente também fecha os olhos e procura ler no astral a vida pregressa do casal. Em alguns instantes várias cenas surgem em sua mente; a consulente não é tão boa como diz;: mentirosa, faladeira, vez por outra entra em choque com os vizinhos, obrigando o companheiro a intervir; amante dos prazeres sensuais obriga-o a semanalmente a programas nem sempre muito baratos de shows, baladas e restaurantes comprometendo o orçamento familiar, o que a obriga a trabalhar, costureira que é, numa industria de vestuário; excessivamente sensual na cama não dá folga ao companheiro, deixando-o via de regra totalmente esgotado.
A consulente também está “vendo” todas essas cenas.
_ Então minha filha, o que você me diz disso tudo?
_ Precisamos gozar a vida não é Mme Rosa?
_ Você acha que falar mal dos outros, jogar uns contra outros, mentir descaradamente e se dedicar a prazeres sensuais sem limitações é um bom meio de gozar a vida?
_ Mas eu sou uma pessoa boa madame!
_ Desculpe minha franqueza D. Tereza, não é sem razão que seu companheiro queira se separar. Ele deve estar cansado de suas mentiras e seus prazeres extravagantes, e posso lhe dizer até que agüentou muito.
_ A senhora está sendo muito cruel comigo madame. Eu amo esse homem e o quero só para mim.
_ E o que você quer que eu faça?
_ A senhora tem fama de arrumar direitinho essas coisas. Faça com que o Severino me ame e não me abandone.
_ Muito bem, mas ha um preço alto a pagar.
_ Pago o que me pedir.
_ Não é apenas em dinheiro, isso é o de menos, mas você terá de mudar de comportamento.
_ Como assim?
_ Deverá refrear sua língua, parar as festanças e cuidar de se dedicar mais ao lar; deixar de lado os romances baratos e buscar numa religião e no serviço ao próximo a penitência de tantos erros.
_ Isso vai ser muito difícil.
_ Eu sei, mas se você quiser o Severino de volta esse será o preço.
_ Puxa vida!
_ De minha parte estarei trabalhando no mundo oculto para ajudá-la, o sucesso do meu trabalho depende de você fazer sua parte.
D. Tereza saiu do consultório com as orelhas pegando fogo. Que fazer, renunciar a seus prazeres, ter uma religião? Não vai dar não!
A vidente cobrava muito alto por suas consultas, mas seu trabalho não acabava ali.
A noite voltou ao consultório, deitou-se num divã, desdobrou seu corpo astral e foi à casa de Tereza, encontrou-a dormindo agarrada ao companheiro que roncava ao lado. Passou a lhe induzir um sonho no qual se via feliz com o companheiro e o filhinho num parque de diversões. Severino olhava carinhosamente para ela e o filhinho. Ela se sentia também muito feliz.
Fez a mesma coisa com o Severino.
Pela manhã D. Tereza acordou um tanto diferente do costume. Ao invés das imprecações contra as vizinhas achava-se calma e pensativa. O companheiro também, mas nenhum tocou no assunto dos sonhos.
Nos dias seguintes os sonhos se repetiram com outros cenários: jardim zoológico; jardim botânico, museus e assim se passaram várias semanas. Já se notavam diferenças no comportamento de ambos, mas não comentavam os sonhos entre si.
_ Severino, meu bem, o que acha de levarmos Ricardinho ao zoológico no domingo?
Severino quase caiu da cadeira. Tereza nunca havia cogitado de tal coisa.
- É, é, é uma boa idéia.
No domingo a família foi ao zoológico. As cenas dos sonhos se repetiam na vida real.
Aos poucos as coisas foram se modificando. Tereza estava conhecendo uma nova vida, já
não era a mulher faladeira e mentirosa, Severino esqueceu a sirigaita e a família passou a ter uma vida mais feliz e equilibrada.