O ELEFANTE
Eduardo P. F. Netto
_ Vovô, vovô, conta aquela história de como o senhor perdeu os marfins, pediu Ricardinho, o mais novo dos pequenos elefantes, xodó de Galhardo, o velho paquiderme.
_ Sim, vovô, conta, conta. Pediram os outros dois netinhos que todas as noites se acomodavam ao lado do velho avô para ouvir suas histórias sempre repletas de suas mais variadas peripécias.
_ Não, não negava o velho, sem muita resistência. Por que é que vocês gostam de histórias tão tristes?
_ Conta, conta, conta! Insistiam os bebês elefantes.
_ Está bem, está bem, não precisam gritar não. E o velho mastodonte, limpando uma pequena lágrima que persistia em não cair, concordou em rememorar seus dias de fausto, mas também de grandes sofrimentos que passou em sua longa existência.
_ Muito jovem ainda eu era o maior animal da região, por isso fui levado para servir no palácio do Marajá. Em meu dorso carregava reis, rainhas, príncipes e princesas, desfilava pelas ruas todo enfeitado, meus marfins eram pintados com tinta de ouro, minha cabeça coberta com tecido ricamente ornamentado, o palanquin era uma verdadeira obra de arte. E eu desfilava garboso, orgulhoso balançando feliz a tromba para lá e para cá manifestando minha alegria e o orgulho que sentia por servir ao marajá. Era tratado como o rei dos animais. Vivia feliz.
_ E por que está assim agora?
_ Bem, lá um dia apareceu nas terras do marajá um meu parente maior e mais bonito que eu, o resultado é que terminaram me vendendo para outro potentado da região que não era tão rico e como eu dava muitas despesas terminou por me vender para um circo. Aí as coisas começaram a piorar. Obrigaram-me a custo de muitas espetadas que me deixavam sangrando, a dançar e a fazer piruetas, a me levantar, ora nas patas traseiras, ora nas dianteiras e assim passei cinco anos sofrendo cada vez que meu tratador inventava uma nova apresentação. Geralmente quando terminava minha apresentação a multidão aplaudia com entusiasmo, inconsciente do meu sofrimento, e o tratador sorria e agradecia feliz da vida, e quase morto de cansado voltava capengando para meu cercado.
Lá um dia resolvi dar um basta àquela situação humilhante, eu um animal nobre que teve em seu dorso reis e rainhas, sujeito agora a alegrar uma multidão que não tinha idéia do meu sofrimento para lhe proporcionar aqueles momentos de prazer. Passei a imaginar um meio de acabar de vez com aquilo tudo.
A semana inteira enquanto o circo era montado numa grande capital do país uma turma passou a desfilar pela cidade, mostrando suas atrações: a banda de música, os tigres, ursos, cavalos enormes, palhaços, bailarinas e eu carregando o miserável do tratador que vez ou outra me fofocava com seu ferrão para eu fazer uma graça qualquer. Os acrobatas demonstrava suas habilidades, os palhaços faziam graças e vez por outra gritavam:
HOJE TEM ESPETÁCULO;
TEM SIM SENHOR, gritavam os outros
O PAHAÇO O QUE É?
É LADRÃO DE MULHER
HÁ, HÁ, HÁ
Assim percorríamos os bairros da capital. Na volta estávamos todos muito cansados
Era uma semana de festas naquela capital, no sábado comemorava-se seu aniversário, o circo estava cheio. Eram aplausos e uma gritaria infernal, a cada apresentação dos artistas e dos animais. Por fim chegou a hora de minha esperada apresentação, estavam todos ansiosos por ver o elefante dançarino, conforme anunciavam.
O tratador à minha frente, tendo á mão seu instrumento de tortura, metido num traje ridículo, gesticulava feliz para a multidão.
A banda iniciou o dobrado com o qual eu fazia algumas piruetas, o povo gritava que queria ver o elefante dançar como fora anunciado pelos percursos nas ruas.
Chegou então o glorioso momento. A banda iniciou a tocar a valsa Danúbio Azul do grande compositor Strauss.
A multidão em silêncio aguardava a performance. No centro do picadeiro eu permanecia parado. O tratador me pedia para dançar, gritava, xingava e eu balançava a cabeça dizendo que não. A multidão gritava, o tratador enfurecia-se, mas não podia me espetar diante do povo e gritava e me ameaçava, e eu simplesmente balançava negativamente a cabeça. Num determinado momento ele passou a minha frente peguei-o com a tromba e balancei-o de um lado para outro, jogando-o finalmente para o alto. Já no solo, desmaiado passei por cima dele dei-lhe uma bela mijada e por fim aquela cagada, o povo gritava, aplaudia, julgava que fazia parte do espetáculo. Foi uma verdadeira apoteose.
Os elefantinhos rolavam de alegria.
_ Bem, um dos empregados do circo me atirou um dardo com substância tranqüilizante e em pouco tempo fui ao chão e arrastado para fora do picadeiro. A multidão gritava, queria mais.
Não voltei mais ao picadeiro, disseram que eu havia enlouquecido, mas que doido que nada, eu estava era cansado e aborrecido com tudo aquilo e resolvera me vingar. Diariamente me aplicavam o tranqüilizante. Um dia quando acordei estava sem meus marfins e abandonado numa floresta quase morto.
Um grupo de seres humanos me encontrou naquele estado e passou a cuidar de mim e logo recuperei minhas forças e por hoje já chega de histórias, vão , vão vão tratar de dormir seus moleques travessos.
O velho Galhardo rolou para um lado e passou também a dormir e sonhar.
domingo, 3 de agosto de 2008
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Um comentário:
Casos de avós e netinhos sempre rendem boas histórias, ainda mais entre animais. Bacana esse seu conto, Eduardo. Ele pode ser agora a base para você exercitar sua escrita alterando o (s) narrador (es), o foco narrativo, o foco da ação, e daí por diante. Como vê, ainda temos muito que brincar pela frente, né? Um beijo carinhoso.
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