A VIDENTE
EDUARDO PAES FERREIRA NETTO
CAPÍTULO PRIMEIRO
Estamos numa sala reservada à consultas esotéricas. Mme Rosa, aliás, D. Maria Belarmina da Silva aguardava uma consulente. Viúva do Dr, Marcelo, dedicava-se honestamente à profissão de consultora espiritual servindo-se de diversas faculdades sobrenaturais a fim de complementar a pensão deixada pelo finado.
Senhora de gosto refinado, em seus sessenta e cinco ano de vida jamais tivera necessidade de trabalhar fora de casa. Matrona bonita de estatura média, cabelos já brancos, olhos negros; os dois sulcos verticais entre as sobrancelhas indicavam pessoa dedicada à reflexão e meditação profundas. Seus lábios iguais, unidos sem se comprimirem diziam de seu caráter honesto e fiel
Sua sala, antes dedicada a receber suas amigas era agora consultório espiritual. Mandalas e quadros com figuras de mestres das mais variadas linhas do mundo oculto ornavam suas paredes. No centro uma mesa retangular sobre ela uma bola de cristal, ao lado diversos tarôs.
A campanhia informa a chegada da consulente. Recebe-a com um cumprimento à moda indiana e convida-a a entrar.
Acomoda-a diante da mesa e senta-se à sua frente. Dá-lhe uma ficha para preencher com seus dados e do companheiro.
Enquanto a consulente preenche a ficha passa a analisá-la.
Não é uma mulher bonita, tem a pele clara, cabelos louros, olhos azuis; o lábio inferior grosso indicava uma mulher sensual, gulosa e amante dos prazeres; seu nariz pontudo e arqueado pessoa faladora, de má língua e inconstante; os lábios grossos e carnosos dizia-lhe sensual, gulosa e mentirosa.
Concluído o preenchimento entrega-a a Mme. Rosa que não lhe dá atenção, já sabe com quem lida.
_ D. Tereza em que posso ajuda-la?
_ Sabe o que é madame, é que meu companheiro está ameaçando se separar de mim. Veja, já estamos juntos a seis anos, tenho dado a ele todo meu amor, meu carinho e um filho maravilhoso. Arrumou uma sirigaita e quer me abandonar.
_ Como tem sido a vida de vocês nesses anos?
_ Não posso dizer que tenham sido maravilhosos, mas foram toleráveis. Tenho procurado ser uma boa companheira, mas não quer se casar comigo e agora essa mulher!
_ Por favor, D. Tereza, feche os olhos, ponha as mãos sobre as coxas e procure mentalizar seu companheiro!
A vidente também fecha os olhos e procura ler no astral a vida pregressa do casal. Em alguns instantes várias cenas surgem em sua mente; a consulente não é tão boa como diz;: mentirosa, faladeira, vez por outra entra em choque com os vizinhos, obrigando o companheiro a intervir; amante dos prazeres sensuais obriga-o a semanalmente a programas nem sempre muito baratos de shows, baladas e restaurantes comprometendo o orçamento familiar, o que a obriga a trabalhar, costureira que é, numa industria de vestuário; excessivamente sensual na cama não dá folga ao companheiro, deixando-o via de regra totalmente esgotado.
A consulente também está “vendo” todas essas cenas.
_ Então minha filha, o que você me diz disso tudo?
_ Precisamos gozar a vida não é Mme Rosa?
_ Você acha que falar mal dos outros, jogar uns contra outros, mentir descaradamente e se dedicar a prazeres sensuais sem limitações é um bom meio de gozar a vida?
_ Mas eu sou uma pessoa boa madame!
_ Desculpe minha franqueza D. Tereza, não é sem razão que seu companheiro queira se separar. Ele deve estar cansado de suas mentiras e seus prazeres extravagantes, e posso lhe dizer até que agüentou muito.
_ A senhora está sendo muito cruel comigo madame. Eu amo esse homem e o quero só para mim.
_ E o que você quer que eu faça?
_ A senhora tem fama de arrumar direitinho essas coisas. Faça com que o Severino me ame e não me abandone.
_ Muito bem, mas ha um preço alto a pagar.
_ Pago o que me pedir.
_ Não é apenas em dinheiro, isso é o de menos, mas você terá de mudar de comportamento.
_ Como assim?
_ Deverá refrear sua língua, parar as festanças e cuidar de se dedicar mais ao lar; deixar de lado os romances baratos e buscar numa religião e no serviço ao próximo a penitência de tantos erros.
_ Isso vai ser muito difícil.
_ Eu sei, mas se você quiser o Severino de volta esse será o preço.
_ Puxa vida!
_ De minha parte estarei trabalhando no mundo oculto para ajudá-la, o sucesso do meu trabalho depende de você fazer sua parte.
D. Tereza saiu do consultório com as orelhas pegando fogo. Que fazer, renunciar a seus prazeres, ter uma religião? Não vai dar não!
A vidente cobrava muito alto por suas consultas, mas seu trabalho não acabava ali.
A noite voltou ao consultório, deitou-se num divã, desdobrou seu corpo astral e foi à casa de Tereza, encontrou-a dormindo agarrada ao companheiro que roncava ao lado. Passou a lhe induzir um sonho no qual se via feliz com o companheiro e o filhinho num parque de diversões. Severino olhava carinhosamente para ela e o filhinho. Ela se sentia também muito feliz.
Fez a mesma coisa com o Severino.
Pela manhã D. Tereza acordou um tanto diferente do costume. Ao invés das imprecações contra as vizinhas achava-se calma e pensativa. O companheiro também, mas nenhum tocou no assunto dos sonhos.
Nos dias seguintes os sonhos se repetiram com outros cenários: jardim zoológico; jardim botânico, museus e assim se passaram várias semanas. Já se notavam diferenças no comportamento de ambos, mas não comentavam os sonhos entre si.
_ Severino, meu bem, o que acha de levarmos Ricardinho ao zoológico no domingo?
Severino quase caiu da cadeira. Tereza nunca havia cogitado de tal coisa.
- É, é, é uma boa idéia.
No domingo a família foi ao zoológico. As cenas dos sonhos se repetiam na vida real.
Aos poucos as coisas foram se modificando. Tereza estava conhecendo uma nova vida, já
não era a mulher faladeira e mentirosa, Severino esqueceu a sirigaita e a família passou a ter uma vida mais feliz e equilibrada.
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3 comentários:
É verdade, senhor Eduardo,quantas vezes só sabemos pedir e pedir sem nos perguntar se somos realmente merecedores daquilo, ou se estamos preparados para determinada conquista. Talvez como Tereza, consigamos analisar nosso comportamento e, sem ferir ninguém, realizar os sonhos que verdadeiramente nos farão felizes. Quanta sabedoria em suas palavras! Um abraço,
Olga.
Que mulher poderosa essa Madame Rosa,heim? Eduardo,seu texto me deixou curiosa para conhecer o final dessa história. Abração e bom finald e semana, querido.
Tem continuação? Já estou esperando.
Um abraço, Clau.
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