VIDA FUTURA
Irene era uma jovem bastante espiritualizada. Desde cedo despertara para a vida espiritual: simples, modesta, dedicava-se denodadamente ao estudo e à caridade.
Estava constantemente em busca da verdade suprema e nesta busca não media esforços ou sacrifícios para satisfazer sua ânsia de saber.
Algumas questões lhe eram particularmente angustiantes e entre elas havia uma a quem dava uma atenção especial: o passado já passou, não se apegue a ele; o futuro a Deus pertence, não convém especular; viva o presente..
A jovem tinha dúvidas cruéis sobre este assunto e em suas meditações, pensava: se eu conhecer a minha vida passada poderei aceitar melhor a presente; se eu conhecer a minha vida futura, posso me preparar melhor para ela.
Como conhecer o meu passado? Como conhecer o meu futuro?
Num determinado mês, lá pelo meio daquele ano Irene leu numa reportagem que afamado professor, estudioso profundo da Parapsicologia dedicava-se naquela oportunidade à prática da Regressão ao Passado.
Encontrava-se na cidade fazendo palestras e dando orientações sobre o assunto. As pessoas interessadas em conhecer suas vidas anteriores deveriam procurá-lo em seu endereço.
Irene ficou "acesa" e tratou de garantir uma entrevista com o tal professor.
No dia marcado, compareceu ao endereço, foi recebida por um cavalheiro de excelente aparência cuja personalidade lhe infundiu de imediato uma absoluta confiança.
Conversaram preliminarmente durante uns quinze minutos, em seguida o professor conduziu-a a um divã e lhe induziu a um sono hipnótico, levando-a paulatinamente à regressão às vidas anteriores.
Ela "viu" que em sua vida imediatamente anterior foi uma senhora da alta sociedade que se dedicava eficientemente às obras assistenciais, na anterior a essa, havia sido uma irmã de caridade, trabalhando num abrigo para filhos sadios de lázaros e mais distante ainda havia sito pitonisa num templo grego.
Ao despertar ela se manteve plenamente consciente e pôde compreender realmente que sua vida presente era praticamente uma continuação das anteriores. Ficou muito feliz e decidiu se dedicar ainda mais intensamente à busca da verdade maior e ao trabalho social.
Restou entretanto em sua mente o desejo de conhecer sua próxima encarnação; como seria sua próxima vida? O professor havia lhe dito que sobre o assunto ainda não havia pesquisado. O futuro estava fechado para ele. Orientou-a entretanto a não se preocupar, continuasse a viver cumprindo fielmente a missão que lhe fora dedicada e deixasse o futuro nas mãos do Criador.
Para não criar polêmica, Irene delicadamente concordara com o professor, mas sua mente ainda estava inquieta. Queria saber o futuro de qualquer forma e continuou sua busca de meios para desvendá-lo
Passou-se muito tempo e nada de Irene conseguir conhecer os mistérios de sua próxima encarnação. Seu desejo já estava se tornando uma verdadeira psicose.
Diariamente, antes do nascer do sol, a jovem fazia cerca de uma hora de práticas ascéticas e meditações. Num determinado dia, estava ela como habitualmente, sentada em postura de lotus quando lhe veio à mente a estranha e nada convencional idéia de oferecer metade da vida para alcançar aquele conhecimento tão ardentemente desejado.
Colocou suas mãos em posição de oração e prometeu solenemente às potências superiores a metade da vida em troca daquele conhecimento.
De imediato, um suave perfume de incenso invadiu o pequeno aposento que lhe servia de templo. Um estranho calafrio lhe percorreu a espinha, abriu-se sua visão interior e ela passou a ver como a um filme cinematográfico como seria sua vida na próxima encarnação.
Lhe foi mostrado que sua próxima vida seria a última reencarnação aqui na terra após, será levada a planos mais elevados da existência onde continuaria sua escala ascencional sem mais necessidade de voltar à esta terra. Ela "viu" , entretanto que esta próxima vida seria extremamente sofrida, seria o resgate do saldo de carmas acumulados, pois apesar de vidas sempre dedicadas à espiritualidade, havia alguns aspectos bastante negativos em vidas anteriores que lhe marcavam indelevelmente a alma.
_ Oh, oh! Que horror ! Eu não mereço tanto sofrimento.
_ Minha filha, lhe disse o guia espiritual, você plantou algumas sementes más e lamentavelmente deverá colher os seus frutos. Não há escolha. Você plantou, terá que colher. A semeadura é voluntária, mas a colheita é obrigatória. Terá que colher!
_ Ah, meu Deus, que horror! Irene via passar em sua visão interior uma vida de fome, miséria e sofrimentos incalculáveis. Doenças incuráveis, abandono, enfim uma vida realmente trágica.
Sentia-se arrependida, sem aquela revelação seria mais fácil continuar a viver, que fazer ?
_ O pior, minha filha, lhe disse o guia, é que você para ter essa revelação empenhou metade de sua vida e, de acordo com meus cálculos você só terá a partir de hoje, uma única semana de vida.
- Ai, não!
_ Sim, minha filha, você só terá mais uma semana de vida.
_ Ó meu Deus, ó Pai, o que faço? Ainda tenho tanto o que fazer por aqui. Sei que ainda não completei minha missão e com aquela promessa boba vou morrer sem completá-la, o que fazer ? Ajude-me!
_ Minha filha, as coisas não são tão simples assim. Há leis que precisam se cumpridas, não podemos simplesmente passar uma esponja por cima e voltar tudo a ser como antes.
_ Mas deve haver alguma possibilidade de reverter essa situação, deve haver!
_ Reverter não, mas podemos antecipar sua vida futura e, ao invés de você morrer na próxima semana por um processo especial passará a viver sua próxima encarnação.
Irene, em silêncio avaliava a situação. No presente tem uma boa vida. É filha de abastada família. Seus pais são excelentes criaturas, seus irmãos, maravilhosos. Tem uma vida muito confortável, nada lhe falta. nunca precisou trabalhar fora de casa. Se trabalhava fora era devido a sua índole independente. Nunca gostou de pedir dinheiro aos pais. Assim, tinha um bom emprego e dedicava-se sem problemas ao estudo e à assistência social ligada a uma conhecida sociedade espiritualista; enfim tinha uma vida muito boa e a perspectiva daquela reencarnação sofrida lhe deixava apavorada. Naquele momento estava entre a cruz e a espada. O que fazer? O que escolher ?
Pela primeira vez, em muito tempo estava angustiada. Pensou na família. Será que assumindo aquela nova encarnação acarretaria também sofrimento a seus pais ?
_ Minha filha, vejo que a angústia tomou conta do seu coração. Façamos um trato, vou deixá-la pensar e avaliar devidamente os prós e os contras e no sexto dia a partir de hoje, virei lhe cobrar a resposta.
_ Está bem mestre, aceito!
A entidade evolou-se para o espaço e a jovem deixou cair a cabeça. Grossas lágrimas rolavam por suas faces.
Passou um tempo incalculável naquela posição. As lágrimas de há muito haviam secado e estava naquele instante num estado de total apatia e sem coragem para se levantar e encarar seus familiares. Sua fisionomia devia estar horrível. O que dizer à família? Deixou passar o tempo até que todos já tivessem saído para o trabalho.
_Minha filha, o que foi? Que é que você tem, está doente ?
_Dn. Júlia correu e abraçou a filha, aflita, desejando saber o porquê do sofrimento da jovem, cuja fisionomia era uma máscara de dor e desespero.
- Nada mamãe, nada, é apenas um mal estar.
-
_ Como nada minha filha! - retrucou a mãe carinhosamente. Conte para sua mãezinha o que houve, vamos!
Reticentemente Irene contou à mãe o problema que estava enfrentando.
_ Ó filhinha, o que poderemos fazer ?
_ Não sei mãe, tenho seis dias para tomar uma decisão!
- Ah, meu Deus !
A jovem não conseguiu sair para o trabalho, nem à noite para a reunião da sociedade . Naquela noite só conseguiu dormir alta madrugada e só acordou com o sol bastante alto. Fez rapidamente sua higiene pessoal e saiu para o trabalho sem tomar o desjejum.
_ Céus, o que você tem Irene, o que houve com você? Todos estavam surpresos e aflitos com a aparência da jovem, que dia um dia para o outro havia envelhecido uns dez anos.
Respondia com monossílabos e tratava de desviar a conversa. As colegas compreenderam que ela não queria falar sobre o assunto e não mais voltaram a insistir nas perguntas.
Assim se passaram os cinco dias. À noite só conseguia dormir a custa de calmantes.
No dia seguinte acordou antes do nascer do sol, fez sua higiene pessoal e dirigiu-se ao oratório para a meditação matinal, mas ainda não tinha uma resposta para o seu guia espiritual. Que diria a ele?
Colocou-se em postura de lotus iniciou a prática de uma respiração rítmica com a qual conseguiu acalmar um pouco a mente, passando em seguida à recitação do trigrama sagrado. Após alguns instantes sentiu o perfume, característico da presença do seu guia que manifestou-se à sua visão anterior.
_ Então filha minha, já tem uma resposta para mim? Fez a pergunta, mas sabia que a jovem ainda não a tinha.
_ Meu pai, eu ainda não a tenho e acho que jamais a terei.
_- Que faremos então ?
A jovem baixou humildemente a cabeça, pôs as mãos em posição de prece e falou:
- Pai, seja feita a Tua vontade!
Uma explosão de puríssima luz eclodiu no ambiente. Música de suavíssimos acordes ouviu-se, vinda não se sabe de onde; uma chuva de pétalas doiradas caiu do alto envolvendo totalmente a jovem. Querubins desceram do céu e adejaram suas tênues asas sobre ela que comovida, recebia aquelas manifestações com o coração cheio de júbilo e gratidão.
Passados alguns momentos, o mestre falou:
_ Filha minha, esta era a resposta que esperava. Ao te entregares totalmente a Deus, anulaste o teu próprio ego e abriste as portas para uma vida plena de Luz; anulando o teu pequeno eu, transcendeste o teu carma. Passarás assim a viver uma vida totalmente isenta de causalidades negativas.
O guia continuou:
_ Não te preocupes com a morte e o futuro. Vive o agora, vive o presente. Semeia sementes de amor e quando chegar a hora, as portas do céu se abrirão a par para ti.
Tendo assim falado, o guia deixou o improvisado templo e ascendeu às alturas de onde velava pela vida de outros filhos desejosos também de subir às alturas.
Irene tinha os olhos rasos d'água, mas são lágrimas de felicidade e gratidão. Em seu coração a paz daqueles que alcançaram o verdadeiro despertar.
Muitos anos se passaram após estes fatos, muito além de suas antigas expectativas de vida. Certo dia durante a meditação matinal mais uma vez seu mestre se fez presente e Irene soube que era chegada sua hora.
Estendeu as mãos aos querubins que vieram acompanhá-la e entregou, feliz, sua alma a Deus
***FIM***
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Um comentário:
Olá, Eduardo.
Vim retribuir sua gentil visita.
Gostei do visual do seu blog, e também do texto.
Falamos com palavras diferentes, porém ambos sobre as mesmas coisas: as dores do ser humano.
Um abraço.
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